domingo, 11 de maio de 2014

Devagar, quase parando: trânsito de Fortaleza caminha para colapso

Mobilidade

Em 2012, nos horários de pico, a velocidade média nas principais vias era de 20km/hora; hoje, não passa de 12km - A preocupação não é para menos. Em números relativos a março desse ano, segundo o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), 919,7 mil veículos circulam diariamente pelas 6.200 ruas e avenidas da cidade.

Lêda Gonçalves
Repórter - DN 
Fortalezenses enfrentam congestionamentos diários
Foto - José Leomar
Não foi por acaso que na última quarta-feira, dia 30, o trânsito de Fortaleza quase parou devido aos congestionamentos e alguns acidentes em avenidas como a Padre Antônio Tomás. De acordo com estudiosos da área, reconhecido, inclusive pelo poder público, o ritmo lento das ações para dar mais agilidade à mobilidade perde feio para a velocidade de fórmula um com que a frota de veículos cresce na cidade. Se o cenário não mudar, alertam especialistas, Fortaleza corre o risco de parar nos próximos cinco anos. Será o colapso total.
A preocupação não é para menos. Em números relativos a março desse ano, segundo o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), 919,7 mil veículos circulam diariamente pelas 6.200 ruas e avenidas da cidade. São 516,3 mil carros e mais 233 mil motos. Com essa frota, Fortaleza lidera o ranking entre as capitais nordestinas e ocupa a sétima posição no Brasil em número de veículos. Os números revelam que há quase um carro para cada quatro habitantes na Capital.
E não para por aí. Segundo dados da empresa paulista IPC Marketing, o Ceará possui mais veículos do que domicílios. Nesse quesito, o Estado também lidera no Nordeste. Sendo que Fortaleza possui quase dois terços da frota total cearense. Somente nos três primeiros meses desse ano, 42,9 mil veículos foram implantados no Estado - 18,8 mil na Capital - de acordo com o Detran/CE. Foram mais de 40 mil novos motoristas com habilitação no ano passado. Em dez anos - entre 2003 e 2013 - a frota da Capital aumentou 113,2%, saltando de 422,4 mil para 900,9 mil veículos.
Circular por Fortaleza, seja de carrão do ano, de fusquinha, ônibus, bicicleta e até moto, virou exercício de paciência. Se a velocidade média nas ruas, entre 2010 e 2012, já era de 20 km por hora, nos momentos de pico - entre 7 e 9 horas e 17h30 e 20 horas - atualmente ela não ultrapassa de 12km/h, sendo que o horário de pico também ampliou. Agora, a pessoa sai de casa mais cedo e enfrenta congestionamentos a partir das 6h30 e em qualquer horário do dia e noite até às 21 horas. "É um sufoco diário. Se antes saia às 7 horas, agora tenho que sair no máximo até às 6h20min, senão corro o risco de chegar atrasado no trabalho", comenta o administrador Pedro Henrique de Souza.

Planejamento
Na avaliação do coordenador do Núcleo de Atuação Especial de Controle, Fiscalização e Acompanhamento de Políticas do Trânsito (Naetran) do Ministério Público Estadual (MPE), Gilvan Melo, a frota de veículos em si não é motivo para o caos que enfrentamos todos os dias. Para ele, a falta de planejamento estratégico, tanto da infraestrutura urbana, quanto da fiscalização contribui quase 100% para os transtornos. "Misture aí as obras sem fim, motoristas inconsequentes e sem respeito ao próximo e às leis de trânsito e o cenário é esse aí que enfrentamos", aponta.
ilvan Melo é um dos que preveem o colapso da mobilidade urbana e defende que chegou a hora do rodízio de veículos e mais incentivo ao transporte público. Além disso, argumenta, será preciso ações rigorosas com relação ao tráfego de caminhões seja qual for o tamanho. "Sugiro a proibição deles, não só no Centro ou Aldeota, mas em outros bairros como Montese, Parangaba, Água Fria, Maraponga e Messejana entre 6 horas às 21 horas diariamente. Para isso, é preciso querer político e torno a repetir, mais fiscalização. Sem isso fica complicado", afirma.

Secundárias
O arquiteto e urbanista Amando Costa não tem dúvidas: o trânsito da cidade está prestes a estrangular: "As vias secundárias estão sendo usadas como válvula de escape. Mas, em até quatro ou cinco anos, estarão superlotadas também. Aí, vai ser o colapso! O diagnóstico é muito ruim".
E isso a população sofre na pele. Até fim de 2012, o motorista particular, Francisco de Assis de Menezes, fazia o trajeto Dionísio Torres - Rua Nunes Valente - até as proximidades do Terminal Rodoviário do Papicu em 12 minutos. Hoje, ele não percorre a distância por menos de 40 minutos. Isso em dia bom, conta, acrescentando que já levou 1h20 para fazer o mesmo caminho. "É muito estressante e piora geral quando um veículo dá prego ou encontramos buracos ou obra. Isso acontece na cidade toda e não é mas problema da Aldeota, Parangaba ou Centro".
Muitos avaliam que as obras de mobilidade em curso podem minimizar situação. No entanto, o engenheiro de transporte da Universidade Federal do Ceará (UFC), Mário Azevedo, observa que em outras partes da Capital, como Centro e outros bairros, não existem obras e os problemas são os mesmos. Na última sexta-feira, por exemplo, às 10 horas, o MapLink registrou 79 quilômetros de lentidão em várias avenidas e ruas, como a Domingos Olímpio, Tristão Gonçalves e Justiniano de Serpa. Por ali, em tráfego normal, o veículo percorre um km em um minuto. Naquele horário, os mesmos trechos foram percorridos em quatro vezes mais tempo.
O coordenador do Plano de Ações Imediatas de Trânsito e Transporte (Paitt), Luís Alberto Saboia, reconhece os riscos de colapso. Para ele, a situação se agrava pois as ações de planejamento ao longo dos últimos anos não acompanharam esse crescimento levando a cidade a um nível crítico. Por isso, assevera, as soluções para este problema devem ser pensadas em curto, médio e longo prazo sempre consonantes com as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana - priorizando os modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado. "A cidade deve passar por uma mudança de paradigma na qual o carro deixa de ser o protagonista", garante.

Opinião do espacialista
135 veículos por quilometro de via é dado alto
A tomar pelo crescimento da frota, gosto de adotar um indicador diferente do usual no que diz respeito à "saúde da malha". Segundo estudos por mim realizados, em 2006, Fortaleza ocupava o sexto lugar na relação quantidade de veículos por quilômetro, ou seja, tinha-se 134 veículos por quilômetro. Nas primeiras posições desse ranking estavam São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte e Curitiba.
Atualmente, levando em conta o pouco aumento do espaço de circulação e, levando em conta um aumento da frota, em 2006 de 601.689 para 991.000 veículos, tem-se para hoje uma 'pressão' veicular de 221,35 veículo/km. Isto representa um aumento de 65,19% deste indicador, para uma malha de aproximadamente 4.476,92km (dados coletados por mim em 2006. Atualmente, estou tentando obter dados oficiais do total de quilometragem da malha).
Em outras palavras, significa dizer que se dispuséssemos toda a frota alinhada por sobre a malha viária da cidade, teríamos uma ocupação máxima em quatro anos para, mantendo a mesma quantidade de veículos que 'entram' no sistema, conseguir preencher todos os espaços de circulação. Esta 'projeção' se daria em 2018, somente para o município.
Segundo o IBGE, hoje, temos cerca de 2,5 milhões de pessoas que moram em Fortaleza. Ao dividirmos a frota de veículos atual pela população, cerca de 39% 'já usaria carro' particular para se locomover. Somando-se aqueles que afluem à cidade, advindos de outros municípios vizinhos, talvez o sistema 'pare' em algumas regiões, antes de 2018. Claro, isto dependeria de como os fluxos estariam dispersos fisicamente na malha. Na realidade, penso que se perde muito tempo em controle do trânsito (operação, fiscalização, manutenção) e pouco tempo no planejamento da demanda por trânsito. Ou seja, mapear e monitorar 'quem origina tráfego': as atividades urbanas.

Assim, seria preponderante tem um bom controle urbano de uso e ocupação do solo. Saber onde se concentram os empregos e moradias. Criar políticas (IPTU, ICMS) de melhor distribuição espacial de moradias e postos de trabalhos, que estejam próximos entre si e próximos de modais de transportes. É o que os urbanistas americanos chamam de Transport Oriented Planning . Saber como as viagens casa-trabalho-casa se distribuem na cidade. Qual o percentual de viagens por ônibus, carro particular, e, quais vias são as mais utilizadas?
Antônio de Paulo Holanda
Engenheiro de Transporte/UFC
Fonte - Diário do Nordeste  11/05/2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pela sua visita, ajude-nos na divulgação desse Blog
Cidadania não é só um estado de direito é também um estado de espírito