domingo, 4 de outubro de 2015

Os ataques russos na Síria e o jogo de forças entre Putin e Obama

Internacional

Entre acusações e especulações, evidencia-se polarização e um novo cenário mundial.Obama e Putin concordaram em negociar para evitar conflitos na Síria."Os EUA reclamaram que os bombardeios teriam tido como alvo, na verdade, o grupo de rebeldes treinados pela CIA."Putin, por sua vez, ressaltou que Estados Unidos, Austrália e França, que bombardearam as posições do EI, não receberam mandato do Conselho de Segurança da ONU nem tiveram a intervenção militar solicitada pela Síria.

Jornal do Brasil
Pamela Mascarenhas

A Rússia tomou a iniciativa na quarta-feira (30) de combater o Estado Islâmico (EI) na Síria, evidenciando uma nova correlação de forças mundial e demonstrando que a intervenção dos Estados Unidos e de seus aliados em outros países agora gera respostas, explicam analistas consultados pelo JB. Eles questionam as críticas à ação russa e resgatam os movimentos que levaram a Síria a atual situação. Por outro lado, considerando o perfil político do presidente norte-americano, salientam a possibilidade de negociação efetiva entre Obama e Putin.
"A tensão [na Síria] começou há muito tempo, e quem começou não foi a Rússia", destaca o professor da Unicamp, João Quartim de Moraes. O chefe do Departamento de Relações Internacionais da Uerj, Williams Gonçalves, chama a atenção para a hesitação dos EUA em relação ao Estado Islâmico. O país não está satisfeito com o EI, mas ainda assim espera que ele derrube o governo da Síria.
Neste sábado (3), a aviação militar russa realizou 60 ataques na Síria e atingiu mais de 50 bases estratégicas do EI, informou o vice-secretário de Estado, Andrei Kartapolov. O governo russo anunciou que vai intensificar as ações no território sírio e que está disposto a se unir com "países interessados". Segundo Kartapolov, mais de 600 militantes do EI teriam fugido de seus postos de comando e "diversos mercenários" começado a desertar.
Dois dias após a reunião entre o presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente norte-americano, Barack Obama, o Parlamento russo aprovou o envio de militares à Síria, sob a alegação de que Assad teria pedido ajuda para combater o EI. O diálogo entre os dois líderes não era realizado há dois anos, em meio às sanções impostas à Rússia.
Os EUA reclamaram que os bombardeios teriam tido como alvo, na verdade, o grupo de rebeldes treinados pela CIA. Putin, por sua vez, ressaltou que Estados Unidos, Austrália e França, que bombardearam as posições do EI, não receberam mandato do Conselho de Segurança da ONU nem tiveram a intervenção militar solicitada pela Síria. Mais tarde, a Rússia informou que os ataques aéreos têm como alvo não apenas o EI, mas outras milícias em luta contra o regime de Bashar al-Assad.
Na ONU, enquanto o presidente russo pediu o apoio da comunidade internacional ao governo de Assad, Obama disse que este deveria renunciar para iniciar uma transição que resolveria os conflitos na área. Para Putin, a apoio dos Estados Unidos às forças rebeldes é ilegal e ineficaz, e rebeldes treinados pelos norte-americanos estariam se unindo ao Estado Islâmico com armas financiadas por Washington. "Eu me relaciono muito respeitosamente com meus colegas dos Estados Unidos e da França, mas eles não são cidadãos da Síria e não deveriam se envolver com a escolha da liderança de outro país", disse Putin.
João Quartim de Moraes, professor na Unicamp, destaca que a iniciativa russa na Síria, apesar das críticas dos Estados Unidos e da Europa, demonstra que a situação internacional mudou. EUA e Europa não dão mais as cartas. Podem tomar iniciativa e realizar novos ataques, mas agora sabem que a resposta a esses ataques pode ser forte.
"Eles não têm mais força para impor o que impuseram desde 1989, até meados de 2004, quando Putin já estava forte. Eles têm dificuldade de aceitar que, nos últimos dez anos, a situação mudou completamente, e a desfavor deles, eles já não podem mais fazer o que querem", comenta o professor. "Ao mesmo tempo, eu não creio que Obama queira incendiar o mundo, ele defende o Estado do qual ele é presidente, mas ele tem uma política muito diferente do Bush, isso dá um campo para eles [Obama e Putin] se entenderem."
Moraes ajuda a traçar o histórico dos conflitos na Síria. A tensão começou há muito tempo, desde antes do movimento de Fundação da Síria Livre, que era controlado pelos sucessores do Talibã, que agora se intitulam Estado Islâmico. A ligação dos Estados Unidos, explica o professor, começa há 30 anos, com o armamento do Talibã, isto é, de sunitas fanáticos da Arábia Saudita, apoiados também pelo governo Reagan para derrubar a presença soviética do Afeganistão. A OTAN, por sua vez, criada para resistir a uma ameaça de ataque soviético, continua como a máquina de guerra colonial mais perigosa do mundo, destruindo países como a Iugoslávia e a Líbia, e que chegou antes à Síria.
Para o professor, a revitalização da Rússia com o governo Putin assusta os interesses da Europa, Estados Unidos e aliados. Ele recorda que, quando houve a derrocada do URSS, Boris Yeltsin, conhecido publicamente como corrupto, criou um momento calamitoso na região. Putin, por sua vez, criou uma situação militar internacional que nunca tinha sido tão desfavorável para os EUA desde os anos 1960.
"A Rússia entrou [na Síria] para estabilizar a situação, só que para estabilizar para valer, porque a Rússia, com todos os seus problemas, é o segundo arsenal nuclear do mundo, com um exército muito confiante em si, que derrotou o Hitler, eles venceram os nazistas", destaca Moraes. "Putin entrou como fator de estabilização com apoio da China e várias potências asiáticas, em acordo militar de defesa contra a OTAN, e a OTAN sabe disso."
Sobre as denúncias norte-americanas de que os russos estariam atacando grupos de rebeldes treinados pela CIA e não o Estado Islâmico, o professor aponta que trata-se de uma "confissão escandalosa" de que grupos de rebeldes assessorados por eles há cinco anos criam confusão na Síria. Ele critica ainda o espanto norte-americano ao ataque russo nesta semana, depois das toneladas de bombas jogadas por eles durante quatro anos. "Realmente é uma desproporção."
Williams Gonçalves, chefe do Departamento de Relações Internacionais da Uerj, aponta que o mundo está diante de um processo um pouco diferente do que estava acostumado. Os Estados Unidos perdem a capacidade de tomar iniciativas isoladamente no que diz respeito aos conflitos internacionais. O mundo já não é mais unipolar, é multipolar.
"A Rússia tomou a iniciativa de resolver o problema da Síria porque tem base militar na Síria e quer preservar essa base militar. A Rússia teme que esses problemas do EI cheguem a suas fronteiras", indica o professor. "A atitude dos EUA tem sido ambígua, porque este Estado Islâmico foi invenção dos EUA, como a Al Qaeda. Os EUA inventam esses movimentos para se livrar dos inimigos e depois eles ganham pernas próprias", diz o professor, explicando que a ideia era que o EI se juntasse a outros grupos e derrubasse o governo sírio.4
Gonçalves aponta ainda que o Estado Islâmico não seria tão forte se não houvesse quem comprasse o petróleo deles e vendesse armas para eles. "Alguém compra petróleo sabendo que está comprando petróleo deles. Esse horror ao Estado Islâmico é recheado de hipocrisia. Se não houvesse quem comprasse petróleo, o EI não teria chegado ao ponto que chegou. Os EUA não estão satisfeitos com o EI, mas esperam que ele derrube o governo da Síria."
Fonte - Jornal do Brasil  04/10/2015

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